quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Não Mais Dor

Ao passar diante daquele casebre, algum desavisado julgaria que aquela era mais uma igreja evangélica récem criada , a despeito do tamanho e da localização impróprias, posto que a mísera residência estava situada à beira de um precipício. Diante de tantos irmãos de igreja a sua volta, notadamente jovens, estava um corpo combalido, esquálido, pífio, onde a sombra da morte já se fazia grande, mas não maior do que a certeza que havia naquele sopro de vida ainda restante, a certeza do grande amor de Deus para com seus Filhos.
Maricota, por opção do pai e nome de registro, ou Dona Cotinha era uma figura constante, não apenas na igreja, esquinada na entrada da favela do Roncó, mas em qualquer local onde se precisava de um curativo, um cuidado, um conforto, uma palavra amiga ou uma oração. Disposta, passava pouco do seu tempo em casa, pois sempre era requisitada por alguém que tinha um filho doente, sofrido um acidente ou mesmo levado uma bala perdida. Assim como no trabalho com a comunidade, nos cultos sua alegria e seu vigor eram intermináveis. Beijava carinhosamente os irmãos na recepção e cantava os louvores com toda força dos seus pequenos pulmões... Varria a igreja, arrumava o púlpito e tudo mais que precisasse ser feito, até que pudesse finalmente se deleitar das pregações, cumprimentando alegremente o pregador ao final e retornando para casa sempre com um sorriso.
Assim era Dona Cotinha, até ser assolada pelo câncer, a doença diagnosticada já em estado avançado, tomou conta de todo seu intestino e se alastrava rapidamente. Enquanto suportou, nossa doce irmãzinha, foi para a igreja gemendo, de carona e mesmo carregada, mas foi. Não tinha vergonha de pedir a conhecidos e estranhos, cristãos ou não, que orassem por ela. Deixava claro, contudo, que fosse feita a vontade de Deus. Com o avançar da doença, já não podia mais ir à igreja, ficando algum tempo internada, ao fim do qual, diante da falta de mudança do quadro diante  da quimioterapia, foi mandada para casa, como era seu desejo. As visitas eram constantes, e por estas soube da desolação da igreja diante do seu quadro. Alguns diziam não ser tão justo estar uma filha de Deus assim, sofrendo tanto.
Imediatamente Dona Cotinha pediu que fosse avisado aos irmãos que queria um culto na sua casa, o quanto antes, um culto diferente com todos os membros da congregação. Disse também que avisaria o momento oportuno. Com fervor, a igreja esperava a confirmação da data, imaginando um grande culto de pedido, um esforço de oração diante do leito da querida senhora. Sentindo a vida se esvair, a resignada senhora então marcou a data. Dito e feito. Numa quarta-feira a casa parecia estar ainda menor diante de tanta gente... Os que chegaram mais cedo foram se acomodando, e logo estavam ali dentro ou na porta, quase todos os irmãos de fé de Roncó. Logo, um dos anciões da igreja tentou iniciar uma tentativa de organizar uma grande oração conjunta, pelo restabelecimento da irmãzinha combalida. Neste instante, mesmo diante de tanta dor, Dona Cotinha pediu a palavra, orou ela mesma pedindo que fosse feita a vontade do Senhor sobre sua vida e, a toda força, iniciou um louvor: “Em breve sei, céus e terras irão passar, meu Deus então tudo novo transformará...” A igreja emocionadamente cantou junto com sua amada velha e entendeu o recado. Dali a dois dias “Não mais dor”. Dona Cotinha partiu, de causa mortis Câncer generalizado, penso eu que para o breve sono dos justos que precede a  Vida Eterna.

Um comentário: